Troca de conhecimentos foi o destaque do seminário sobre Roças e da feira de sementes

Troca de conhecimentos foi o destaque do seminário sobre Roças e da feira de sementes

Lideranças e moradores de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira participaram do seminário “Roças: Segurança Alimentar e Cultura Quilombola” na última sexta-feira (30/9) e da feira de troca de sementes e mudas tradicionais, no sábado (1º/10), em Eldorado. Debates e intercâmbio de experiências foram os destaques das atividades.

Organizados pelo ISA em parceria com as Associações dos Quilombos, a Eaacone (Equipe de Articulação e Assessoria das Comunidades Negras do Vale do Ribeira), o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e a Fundação Florestal, os eventos fazem parte de um projeto apoiado pela Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), vinculada à Presidência da República e prefeituras de Registro e Eldorado.

Cerca de 100 participantes estiveram no seminário, entre eles lideranças e moradores das comunidades quilombolas de Cangume, Porto Velho, São Pedro, Galvão, Ivaporunduva, Nhunguara, André Lopes, Sapatu, Pedro Cubas, Pedro Cubas de Cima, Abobral, Peropava, Reginaldo, Pedra Preta e Aldeia de Iguape, estão localizados nos municípios de Eldorado, Iporanga, Itaoca, Registro, Iguape e Barra do Turvo.

Foram três mesas de debate. Na primeira, a questão proposta foi: As roças vão acabar? Quais as consequências disso? E foi formada pelos agricultores quilombolas Vandir Rodrigues da Silva, da comunidade de Ivaporunduva, Antônio Benedito Jorge da comunidade de Pedro Cubas, José de Paula de França da comunidade de Nhunguara e André Luiz P. de Moraes da comunidade de André Lopes, além de Cristina Adams, pesquisador e professora da Universidade de São Paulo e da antropóloga do ISA, Anna Maria Andrade.

As roças vão acabar?

Os quilombolas falaram da importância da roça na subsistência secular das comunidades, da total compatibilidade das roças com a conservação da Mata Atlântica e de sua biodiversidade evidenciada pelo fato de os territórios quilombolas utilizarem o sistema de roças há mais de 100 anos. E ainda hoje são os territórios com a maior conservação da Mata Atlântica, tanto assim que a maioria das Unidades de Conservação no Vale do Ribeira foi criada sobrepondo-se aos territórios tradicionais.

Eles também explicitaram sua indignação e revolta com a política imposta pelo governo estadual por meio das ações da Secretaria do Meio Ambiente proibindo a abertura de novas roças em estágios mais avançados de vegetação e com o grau de exigências previstas na Resolução SMA-027, de 30-03-2010, que “Dispõe sobre procedimentos simplificados de autorização para supressão de vegetação nativa, a que se referem os artigos 33 e 34 do Decreto Federal 6.660, de 21-11-2008, para pequenos produtores rurais e populações tradicionais visando a agricultura sustentável nas áreas de regeneração inicial da Mata Atlântica e dá outras providências”. Argumentam que a abertura de novas áreas é fundamental para manter o sistema tradicional de roças, maior produtividade de suas plantações, garantia de segurança alimentar e geração de renda com a venda de produtos da roça. Reivindicam que seja aberta novamente a agenda de diálogo com a SMA-SP para rediscutir a Resolução SMA-27.

Cristina Adams, pesquisadora da USP Leste, que estuda as tendências do sistema de roças tradicionais pelo mundo, relatou que a pressão contra as roças ocorre em todos os continentes principalmente pela concentração fundiária que expropria as comunidades tradicionais, por pressões ambientais e, sobretudo pressões econômicas.

Para ela o fim das roças significa não apenas um problema de segurança alimentar local, mas também global, dado o papel importante que as roças desempenham na conservação da agrobiodiversidade. O engenheiro agrônomo do ISA, Marcos Gamberini, que organizou o seminário, contou que vem trabalhando com os quilombolas para contornar a questão da proibição das roças desde 1997, época em que atuava no Itesp e que os responsáveis por esta questão na Secretária do Meio Ambiente ignoram as informações técnicas e científicas e encaminham a questão apenas do ponto de vista legal, fazendo uma má interpretação da lei à luz de dados incontestáveis a favor das roças. Ressaltou ainda que em vez de serem proibidos de fazer suas roças os quilombolas deveriam ser remunerados por isto, uma vez que prestam um serviço importante para toda a humanidade que é a conservação da agrobiodiversidade, remuneração prevista nos protocolos sobre pagamento por serviços ambientais (PSA).

Inventário cultural mostra importância das roças

Anna Maria Andrade apresentou o resultado parcial do trabalho de inventário cultural que o ISA está realizando em parceria com as comunidades, no qual a roça aparece como elemento central da cultura quilombola, a partir do qual ou em função do qual vários elementos culturais se concretizam, a história oral, a transmissão de técnicas de cultivo, elaboração de utensílios , ferramentas e equipamentos, atividades coletivas, festividades etc. O trabalho do inventário mostra que o fim das roças, além do impacto na produção de alimentos e sobrevivência da agricultura, também concorrerá para a desagregação da cultura e do modo de vida das comunidades. O conjunto dos depoimentos deixou claro que a proibição das roças não tem nenhum sentido. Daí saiu um encaminhamento que será a formulação de um documento contendo os depoimentos do seminário e artigos sobre as pesquisas sobre roças que estão sendo realizadas pela USP Leste no Vale do Ribeira para que seja encaminhado à Secretaria de Meio Ambiente para subsidiar a discussão sobre a liberação das roças.

Na segunda mesa o tema foi Agricultura e Geração de Renda nos territórios quilombolas. Dela participaram Vandir Rodrigues da Silva da comunidade de Ivaporunduva, Zeni França da Rosa da Comunidade de São Pedro, Osvaldo dos Santos da comunidade de Porto Velho, Arauê C. Lombardi, engenheiro agrônomo da Prefeitura Municipal de Registro, Jorge Júlio, da organização Via Pública que em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) trabalha para a implantação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Antônio Eduardo Sodrzinski, engenheiro agrônomo da Coordenação de Assistência Técnica Integral (Cati) e coordenador regional do Programa de Comunidades Tradicionais e Felipe A. Freire de Andrade do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

O debate girou em torno da participação dos quilombolas nas políticas publicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa Microbacias II que será implantado pela Cati com o foco na produção de alimentos e geração de renda. Os quilombolas fizeram relatos dos aspectos positivos dos programas e das dificuldades existentes para sua consolidação, sendo que o atraso nos pagamentos e a falta de transparência de organizações que estão intermediando a participação dos agricultores nestes programas foi um dos pontos mais discutidos. Foi ressaltada a importância das organizações locais estarem bem estruturadas para realizar a gestão direta destes mercados institucionais que têm como objetivo elevar o padrão de vida dos agricultores e melhorar suas condições para comercializar também no mercado formal.

Na terceira mesa o tema foi Manejo e comercialização da polpa da juçara, da qual participaram Vandir Rodrigues da Silva da comunidade de Ivaporunduva, Ademar Alves do Nascimento da comunidade do Bairro do Mota, Reinaldo Gomes Ribeiro, técnico do ISA, Gilberto Ota, do Bairro Guapiruvu e atual secretário municipal de Agricultura de Sete Barras. O foco foi nivelar as informações sobre os processos que estão ocorrendo para tornar a polpa da juçara, além de uma nova fonte de alimentos a ser utilizada pelas comunidades, uma alternativa de geração renda a partir do manejo sustentável de uma espécie considerada chave na Mata Atlântica. Foram relatadas experiências de comercialização bem sucedidas e os passos ainda a serem dados, como a regulamentação do produto no Ministério da Agricultura e a instalação de unidades de processamento que permita a agregação de valor pela venda da polpa e das sementes.

Diversidade de sementes e mudas na quarta edição da feira

A Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais contou com a presença de moradores das mesmas comunidades que participaram do seminário, e foi rica em diversidade de sementes e mudas, frutos, verduras e produtos processados. Além da troca entre agricultores, os visitantes puderam comprar mudas e sementes. As comunidades de Sapatu, São Pedro e Pedro Cubas fizeram apresentações culturais e o evento terminou com um grande almoço feito com alimentos vindos das roças quilombolas.

Na avaliação final, tanto os debates do seminário quanto a feira foram considerados muito bem sucedidos. Na feira de 2010, feira passada, a maioria dos participantes veio procurar sementes, e neste ano ofertaram sementes, cumprindo assim o objetivo principal de resgatar as variedades locais que estão se perdendo. Houve também sugestões para que a feira seja realizada em outros municípios.